quinta-feira, 9 de junho de 2011

Dificuldades de aprendizagem: de onde vem o problema?

Agência Estado

Por Julia Trevisan

Falta de concentração durante as aulas, desinteresse por qualquer assunto ligado à escola e as temidas notas baixas. Quem tem filhos em idade pré-escolar sente arrepios só de pensar que a criança possa enfrentar algum tipo de dificuldade que retarde ou comprometa seu processo de aprendizagem.
E apesar de estes problemas fazerem parte do cotidiano de muitas famílias, a investigação de suas causas e a busca pelo melhor tratamento nem sempre são feitas da maneira correta. Para reverter o caso e garantir à criança uma boa volta por cima, a melhor receita é uma parceria firme entre a escola e a família.

O primeiro relato da dificuldade costuma (e deve) vir justamente da escola, apesar de alguns pais mais atentos conseguirem perceber que a criança não está bem ou rendendo tudo o que poderia. “A escola deveria estar apta a fazer esse diagnóstico, por meio de conhecimentos específicos, como por exemplo identificar problemas no desenvolvimento psicomotor que podem prejudicar o processo de aprendizagem do aluno”, acredita Nádia Bossa, psicopedagoga que estuda o assunto há 20 anos e é autora de diversos livros, entre eles “Fracasso Escolar: um olhar psicopedagógico”. Além do baixo rendimento, elementos como a própria postura do aluno em classe, a forma como ele escreve e até mesmo o tipo de erros que comete podem revelar aspectos importantes sobre as causas da dificuldade de aprendizagem. “É o professor quem deve saber quais os requisitos necessários para o aprendizado de um determinado conteúdo”, completa a psicopedagoga.

O passo seguinte deve ser a comunicação do problema aos pais e a troca de informações sobre a rotina e os hábitos da criança, além de um levantamento de mudanças recentes em sua vida. “A não aprendizagem pode ser um sintoma de que algo com a criança não está bem. Ela bloqueia o estudo inconscientemente, como um mecanismo de defesa, uma forma não muito adequada desenvolvida para não aprender”, afirma Silvia Amaral de Mello Pinto, psicopedagoga e coordenadora do Centro de Aprendizagem e Desenvolvimento (CAD), em São Paulo.

As causas para dificuldades no aprendizado são variadas e podem vir de questões emocionais, como por exemplo uma separação dramática dos pais, um caso de luto na família ou mesmo o nascimento de um irmão. Essas situações sugam a energia da criança e impedem que ela concentre seu foco em qualquer outra coisa. “Ela fica preocupada com o assunto ou fantasiando para não entrar em contato com a realidade. E o conteúdo escolar é a realidade”, relata Nádia Bossa. “Acontecimentos novos como os citados podem gerar ansiedade e consequentemente muita agitação, o que muitas vezes é até confundido com hiperatividade”, completa.

“Às vezes, o problema é mais sutil, como a falta de tempo e de organização do pai e da mãe. Trabalhar demais e deixar de lado questões como a escolha de um bom local para a criança fazer sua lição de casa, impor horários, estabelecer limites e dizer não para certas coisas pode atrapalhar”, afirma Silvia Amaral de Mello Pinto.

Entre os distúrbios orgânicos estão os problemas de maturação do Sistema Nervoso Central, de ansiedade exagerada e decorrentes de efeitos de certos medicamentos que interferem no ânimo ou causam problemas de memória ou concentração. Existem ainda as dificuldades específicas em determinadas áreas, como a dislexia (troca das letras na leitura e na escrita), e a discalculia (problemas em cálculos).

A falta de motivação também é capaz de prejudicar a aprendizagem e pode ter sua origem na relação da própria família com os estudos. A ligação da escola com castigos ou a algum tipo de pressão e mesmo a falta de importância dada pelos pais ao conhecimento em si são fortes desencorajadores do aluno.

“Outro fator é a própria concepção de aprendizagem, que é o processo que nos torna humanos. Aprendemos a andar, a ser membro da cultura em que vivemos e aprendemos também os conceitos científicos apresentados na escola. E a aprendizagem de conceitos acadêmicos, como geografia, por exemplo, depende de aprendizagens anteriores, que são resultado de exploração do mundo, responsáveis, por exemplo, pela construção da noção de espaço”, explica a psicopedagoga Nádia Bossa. Por exemplo, crianças com dificuldades para reconhecer os lados direito e esquerdo dificilmente consequem aprender coisas como pontos cardeais ou a referência de leste e oeste.ou até mesmo a posição relativa dos numeros. “O processo de aprendizagem escolar necessita de um repertório preexistente, de experiências vividas na infância e bem mediadas, ou seja, nomeadas e interpretadas pela família”, diz Nádia.

Ajuda de todos os lados

Por todos esses motivos, antes de encaminhar o problema para um especialista, é importante que a escola realize uma investigação dentro dela mesmo e proporcione uma discussão entre professores e coordenadores. Providências como a troca de professores, aulas reforço e grupos de apoio que ajudem a criança podem ser necessárias. “A recomendação é que a escola se adapte ao aluno, que haja uma parceria e flexibilidade para rever posturas e metodologia”, diz Nádia. “É interessante, inclusive, que as escolas tenham em seu quadro psicólogas e psicopedagogas.”

Nos casos em que a parceria família-escola não é suficiente, recomenda-se recorrer a um psicopedagogo, que ou é um psicólogo especializado em psicopedagogia ou um pedagogo com especialização, mestrado ou doutorado em psicopedagogia. “É realizada, então, uma espécie de ‘fisioterapia cerebral’, um trabalho que exercita as funções cognitivas ativando o sistema nervoso”, explica ela. A troca de escola deve ser considerada em alguns casos.

O papel da família também é vital na retomada do interesse pelos estudos. “Os pais devem incentivar a lição de casa, olhar cadernos e mostrar interesse pelo que ela está aprendendo”, recomenda a psicopedagoga Silvia Amaral de Mello Pinto. “Às vezes, pequenos detalhes fazem uma grande diferença”, acredita ela.

Tomar as providências corretas garante não só uma criança sem problemas para desenvolver seu aprendizado como adultos livres de traumas e problemas de auto-estima causados pela experiência da escola.

Para saber mais:

Livro “Dificuldades de Aprendizagem”, de Nádia Bossa.


Dificuldades de aprendizagem O que são? Como tratá-las
O ensino nas instituições do governo é da pior qualidade. Falo com a experiência de vários anos como supervisora de estágio na área de psicologia escolar, uma vez que os grupos de estagiários sob minha supervisão permanecem por um ano nas instituições de ensino da rede pública, e tem por tarefa realizar um diagnóstico e desenvolver um projeto de intervenção que atenda as principais necessidades da escola.
1) Percebemos que muitos materiais literários estão sendo lançados na psicopedagogia que até pouco tempo, tinha carência de materiais científicos específicos para a área. Este novo lançamento do seu livro "Dificuldades de Aprendizagem" O que são? Como trata-las, é a primeira obra da psicopedagogia que explica a leigos o trabalho do psicopedagogo e sobre as diversas faces das dificuldades de aprendizagem. Era esta a sua intenção? Por que?
A motivação para a elaboração do Livro "Dificuldades de Aprendizagem.O que são? Como tratá-las? "foi criar um material que pudesse facilitar o enquadre junto à criança (e/ou adolescente) e seus pais, quando houvesse indicação para uma intervenção psicopedagogica. Essa necessidade surgiu da minha experiência enquanto supervisora de estágio em atendimento psicopedagógico clínico na PUC/SP. Frente à dificuldade dos estagiários em esclarecer, à criança e à família, como e porquê seria conduzido o processo de intervenção, ocorreu-me que um material ilustrado, através do qual, os personagens envolvidos no processo pudessem se identificar, poderia se constituir num instrumento valioso para o Psicopedagogo.Ao longo da trajetória de criação do material, outras demandas foram se acrescentando a motivação inicial, como por exemplo: a importância de auxiliar o professor no momento do encaminhamento do aluno com dificuldades; o esclarecimento aos acadêmicos da área da educação e da psicologia à respeito da especificidade da psicopedagogia; uma contribuição acerca da complexidade do processo de aprendizagem escolar, etc...Por fim, quando depois de pronto, passei a testá-lo, a fim de verificar sua eficácia antes da publicação, constatei o efeito terapêutico produzido pelos movimentos de identificação e projeção, das crianças que, ao se reconhecerem no personagem e nas situações presentes no livro, sentiam-se compreendidas e acolhidas. Só a título de esclarecimento, sem muito rigor teórico, estou chamando de identificação "ao processo psíquico de se reconhecer em um elemento externo" e de projeção "o processo psíquico de atribuir ao elemento externo, aspectos do mundo interno."
2) Este é um livro que deverá estar nas instituições e nos consultórios já que claramente existe a preocupação com a qualidade do material, imagens e a didática empregada nas questões/respostas que surgem a cada momento no processo daqueles que procuram e necessitam de um trabalho psicopedagógico?
De fato, a intenção, é que este material esteja tanto na clínica, como nas instituições de ensino em geral, e que possa ser utilizado de forma criativa, em vários momentos do processo. Que possa ainda ser manuseado muitas vezes, por isso a preocupação com o papel e que as imagens (ilustrações) superem o alcance da linguagem escrita.
3) Você é autora também do livro "A Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática". A quem se direciona este livro e qual a abordagem?
O livro " A Psicopedagogia no Brasil : contribuições a partir da prática"é direcionado à psicopedagogos, estudantes de psicopedagogia e aos profissionais da educação e da psicologia interessados em conhecer o campo da psicopedagogia. Nesse livro, através de uma abordagem da prática procurei sistematizar os fundamentos da psicopedagogia. No capítulo I procuro definir a psicopedagogia, seus fundamentos epistemológicos e seu objeto de estudo, contextualizando-a.Nos capítulos II e III discuto a especificidade dessa prática, a questão da formação, o código de ética e os limites e as possibilidades da psicopedagogia frente a realidade brasileira. Nos capítulos IV e V procuro ilustrar, através de fragmentos de casos, a prática clínica e institucional, e comparo a prática psicopedagógica com outras práticas, ou seja, procuro delimitar nosso campo de atuação.Por fim, nas considerações finais trato da questão da identidade do psicopedagogo brasileiro , que foi sendo tecida ao longo dos capítulos do livro.
4) Como organizadora e autora lançou outros três livros "Avaliação psicopedagógica da criança de 0 a 6 anos"; "Avaliação psicopedagógica da criança de 7 a 11anos" e "Avaliação psicopedagógica do Adolescente", como é trabalhar com profissionais com outras abordagens psicopedagógicas?
A complexidade do fenômeno em questão - a aprendizagem humana - tem a dimensão da própria vida. Costumo trabalhar com uma definição de aprendizagem inspirada em Bleger. Em Psicologia da Conduta, Bleger nos diz que "a conduta e a personalidade têm um desenvolvimento no qual vão se organizando progressivamente, respondendo a um processo dinâmico no qual podem se modificar de maneira mais ou menos estável. Chama-se aprendizagem esse processo pelo qual a conduta modifica-se de maneira estável à raiz das experiências do sujeito."Portanto, embora o conceito de aprendizagem tenha sobre si o peso da tradição intelectualista, abarca muito mais. Por isso, a despeito da importância que esse aspecto possa ter, ele é só uma parte da aprendizagem total que o ser humano realiza.
A meu ver, essa definição de aprendizagem, por si só, justifica o caráter multidisciplinar da psicopedagogia. Assim, é imprescindível que o psicopedagogo tenha flexibilidade e abertura para integrar, articular e compartilhar conhecimentos e experiências com profissionais, cujas abordagens sejam distintas a sua. Não se pode perder de vista que trata-se de um mesmo fenômeno, analisado através de perspectivas diferentes e que não são excludentes, ao contrário, se complementam. Por isso, para mim trabalhar com profissionais com outras abordagens psicopedagógicas é sempre uma experiência muito enriquecedora.
5) Como doutora em Psicologia da Educação e Psicopedagoga, poderia esclarecer aos nossos leitores a diferença entre estes dois trabalhos, a Psicologia da Educação e a Psicopedagogia, já que estamos vivendo um momento em nossa profissão onde estes dois aspectos são confundidos por aqueles que desconhecem o trabalho do psicopedagogo?
No meu livro "A Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática", logo na introdução faço uma discussão à respeito da diferença entre as denominações Psicologia Educacional, Psicologia Escolar e Psicopedagogia. Aqui, sem estender sobre o assunto, posso dizer que tradicionalmente a
Psicologia da Educação diz respeito a uma área que estuda a utilização dos conhecimentos teóricos da Psicologia às questões da Educação. Trata-se portanto, de um campo teórico que vai resultar em teorias da Educação. Diferentemente, a Psicopedagogia consiste numa área de aplicação, que recorre à conhecimentos das diversas áreas que estudam o fenômeno humano na compreensão do processo de aprendizagem. Quero ressaltar que não se trata, como costuma-se pensar, na aplicação da psicologia à pedagogia.
6) Como você vê a evolução da Psicopedagogia no Brasil nestes últimos anos?
Em certos aspectos vejo a evolução da Psicopedagogia no Brasil nestes últimos anos com otimismo.Por exemplo, no que se refere ao conhecimento que vem sendo produzido através de dissertações, teses e outras pesquisas. Por outro lado, preocupa-me a proliferação de cursos de psicopedagogia em Instituições que visam apenas a parte financeira, e conseqüentemente geram práticas irresponsáveis em nome da psicopedagogia
7) O que pensa sobre a regulamentação da profissão do psicopedagogo?
A regulamentação da profissão é extremamente delicada. Seu aspecto positivo reside no fato de que talvez pudesse nos preservar da proliferação de cursos sem qualidade, bem como de práticas irresponsáveis que possam comprometer a credibilidade da psicopedagogia. Existe ainda o fato de que sendo uma profissão regulamentada ficam assegurados certos espaços de atuação como por exemplo, criação da carreira para nomeação de cargo em instituições governamentais. No entanto, parece-me que frente a oposição de outros profissionais à regulamentação da profissão ( diga-se de passagem meramente uma questão de reserva de mercado ), o psicopedagogo encontra-se despreparado, correndo o risco de desencadear uma problemática que acabe por restringir sua atuação .
8) Como anda o ensino nas instituições do governo e instituições particulares?
O psicopedagogo já se faz presente de forma significativa?
Esta é uma questão que me mobiliza profundamente. O meu desejo é falar sobre este ponto por horas a fio, para demonstrar minha indignação com o descaso dos nossos governantes frente a educação no nosso pais. O ensino nas instituições do governo é da pior qualidade. Falo com a experiência de vários anos como supervisora de estágio na área de psicologia escolar, uma vez que os grupos de estagiários sob minha supervisão permanecem por um ano nas instituições de ensino da rede pública, e tem por tarefa realizar um diagnóstico e desenvolver um projeto de intervenção que atenda as principais necessidades da escola.O que temos constatado através dessas experiências é um caos absoluto. Podemos dizer que ao concluírem a 8a. série os alunos mal sabem escrever. É lamentável. Em relação as instituições particulares, podemos dizer que uma pequena parcela prima de fato pela qualidade de ensino, as demais são empresas com fins lucrativos, o que vale inclusive para o ensino de Terceiro Grau. Quanto ao psicopedagogo, este se faz presente, mas no sentido de receber das escolas o encaminhamento de alunos com dificuldades de aprendizagem, do que propriamente como psicopedagogo institucional. Porém, tenho observado recentemente uma crescente demanda em relação ao psicopedagogo nas instituições particulares e até mesmo a iniciativa de alguns municípios na implantação da carreira de psicopedagogo institucional

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