quinta-feira, 9 de junho de 2011

O PAPEL DO PROFESSOR DIANTE DOS DISTÚRBIOS/PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM

Anterita Cristina de Sousa Godoy
RESUMO
Com a entrada cada vez mais cedo das crianças na escola as dificuldades em “aprender as coisas” também surgem mais cedo, causando em muitas famílias verdadeiros martírios e nas escolas e professoras muita angústia. Num jogo de empurra-empurra pais delegam à escola a obrigação de resolver tal situação e a escola cobra da família um apoio externo. Nossa proposta de reflexão nesse texto assume o posicionamento da professora que, na tentativa de pensar sobre o que fazer quando a criança não aprende, tem duas possibilidades: olhar para as impossibilidades ou para as possibilidades desse aluno em busca de ações que os ajudem, já que somente boa vontade não irá resolver os problemas.
Palavras-chave: professores, problemas de aprendizagem, cotidiano escolar
INTRODUÇÃO
Uma criança cresce ou tendo uma infância feliz ou uma infância sofrida, custosa, carente... Mas, cresce com um desenvolvimento considerado dentro da normalidade pelos seus pais... Aprende a engatinhar, a andar, a falar, a correr, a brincar, a rabiscar... faz manhas quando quer alguma coisa, chora e fica chatinha quando o sono se aproxima, quer o colo da mãe quando não está boa. Tudo igual, costumamos dizer, só mudam de endereço!
Então, essa criança vai para a escola e o paraíso pode começar a se transformar em tártaro... em sofrimento, verdadeiro martírio para a família, às vezes para a escola e para a professora (ou o professor): a criança tem dificuldade em aprender as “coisas” da escola!
Pois é justamente na idade escolar que os problemas/distúrbios de aprendizagem começam a ser evidenciados, deixando pais e professores angustiados, por vezes, aflitos. E num jogo de empurra-empurra, os pais delegam à escola a obrigação de resolver esse problema e a escola cobra dos pais a busca (externa) de ajuda para o problema da criança.
Deixando a família de lado, já que não é esse o pretenso foco da reflexão aqui proposta, gostaríamos de evidenciar o papel do professor diante dessa problemática. Assim, creio que a questão norteadora da reflexão que começo a desenvolver seja:
O que fazer com (ou quando) uma criança que não aprende?
Vejo, em meu horizonte, somente duas alternativas: olhar para as suas impossibilidades ou olhar para as suas possibilidades.
Ao que parece, normalmente, nos aproximamos muito mais da primeira alternativa. Ou seja, rotulamos o aluno que não aprende e tentamos a todo custo encaminha-lo à profissionais ou instituições que julgamos mais capazes que nós, seus professores, para ajuda-lo em seu aprendizado.
Mas, uma pergunta pulsa e instiga-me diante da segunda alternativa que apresentei:
Quais as possibilidades que temos diante de uma criança que não aprende?
Várias, inúmeras, mas para buscá-las não bastam “boas intenções”, porque o nosso olhar está voltado para os indícios das impossibilidades (PADILHA, 2004, p. 39), é preciso considerar que é a realização sociopsicológica dos pontos fortes da criança, e não o defeito em si, [que] decide o destino de sua personalidade (ibid., p. 39/40). Exatamente isso (e por isso vale a pena ressaltar): não é o “defeito” que a criança possui que determina seu destino, mas a realização social e psicológica de seus pontos fortes – o que ele pode, do que ele é capaz.
1. Como olhar para as possibilidades do aluno?
O que deveria ser um exercício comum no magistério, não o é. Para olhar para as possibilidades que uma criança possui, é preciso, pelo menos focar, ao menos, seis pontos, imprescindíveis. Quatro deles, diretamente relacionado ao trabalho pedagógico do professor e dois complementares à ele.
Primeiramente é preciso desvendar o que é o típico da escola, isso porque ela está imersa em uma rotina ritualizada que não nos permite ver, apenas enxergar os acontecimentos cotidianos. Conhecer o típico da escola significa buscar uma “abertura” na rotina escolar olhando para as relações que ali acontecem, principalmente, para as relações de ensino, e considerando os fatores tidos como irrelevantes, bem como a trivialidade aparente.
Nada na escola se repete. A cada dia um novo acontecimento, uma nova situação, uma nova provocação. Provocados pelo dizer e pelo não dizer, pelo agir e pelo não agir, somos instigados a olhar para a nossa prática pedagógica, cuja rotina evitamos alterar, pois acreditamos muito no ditado “em time que está ganhando, não se mexe”. Acostumados (condicionados?) a acreditar que as dificuldades ou os problemas dos nossos alunos são somente deles, não nos preocupamos em levantar as causas de seus fracassos, apenas os constatamos e ainda não preocupamos em olhar para esse aluno vê-lo como a gente nunca o viu antes. É preciso desfocar o olhar viciado que possuímos para o cotidiano escolar para que, antes de rotular e encaminhar para profissionais especializados, tenhamos um conhecimento maior da criança, também, para que ao encaminha-la (quando isso for realmente necessário) não deleguemos a ela (ou a seus pais) uma função que é nossa: a de dar ao outro que a recebe conhecimento das suas dificuldades. Isso precisa ser feito através de relatórios avaliativos detalhados que vão muito além do “não consegue escrever”, “não sabe ler”, “não para quieta”!
Na verdade, nos incomodamos muito com aquele que não se encaixa no modelo “idealizado” de aluno e que acreditamos necessitar de “atendimento especializado”, simplesmente, porque não sabemos o que fazer com ele em sala de aula. Situações como essa pode nos fazer pensar que, durante nosso processo de formação, não foram desenvolvidas as competências e habilidades necessárias para que pudéssemos compreender as dificuldades que nossos alunos apresentam, avalia-las e proceder a um relatório claro e conciso.
Com essa constatação voltamos nosso olhar para a nossa formação e a culpamos, porque temos a sensação de que não fomos preparados para lidar com essas situações, esquecendo-nos de que a formação de um professor é permanente e contínua. Não nos tornamos professores somente pela finalização de um curso que culmina com a conquista de um diploma, nos tornamos professores nas relações de ensino que tecemos do decorrer de nossa história de professora, que por sinal, inicia-se muito antes de entrarmos em um curso de formação de professores!
Podem ocorrer, sim, falhas no processo de formação como ocorre nos processos de alfabetização. È preciso considerar que os problemas não são só de aprendizagem, mas podem ser de ensinagem. Alicia Fernandez (1994), psicopedagoga argentina, diz que a criança pode não ter um problema de aprendizagem, mas que nós, como docente, podemos ter um problema de ensinagem. Isso mesmo, muitas vezes nós não sabemos como lidar com o processo de ensinagem, o que não significa que não sabemos lidar com os conteúdos que devemos ensinar (embora alguns nos cobre mais atenção e empenho que outros), mas que encontramos algumas dificuldades de relacionamento e/ou de comunicação com alguns alunos o que acaba por interferir ou impedir o desenvolvimento de processo de ensino (que se refere ao trabalho com os conteúdos escolares) (POLITY, 2002).
Sim, o processo de aprendizagem e de ensinagem são processos relacionais. Assim como a escola não se faz pelo prédio, mas pelas pessoas que nela trabalham, assim, ensinar e aprender vai além da transmissão do conteúdo, do cumprimento do planejamento. Ensinar e aprender constitui-se num processo de aprender a relacionar-se com o outro, seja esse outro o professor, o autor do livro que estudamos, os colegas, os funcionários da escola, os produtores dos conhecimentos considerados importantes para a humanidade... A escola, o ensinar e o aprender se fazem numa dimensão relacional. É por conta disso que é preciso, novamente, e sempre, olhar para ver (de verdade).
Então, é preciso olhar para os nossos alunos para ver o que não sabem, mas também o que eles sabem, pois não podemos nos guiar pelo que a criança não é. É necessário descobrir, como tarefa histórica, a superação do fracasso escolar, nas capacidades (PADILHA, 2004, p. 44). Isso significa que nem todos os sintomas podem ser alocados no mesmo nível, simplesmente porque nem todos os indícios dizem as mesmas coisas. Ou seja, nem sempre uma criança que não pára quieta é hiperativa; que troca as letras é disortógrafa ou que não compreende palavras escritas é disléxica.
Quando o foco do olhar situa-se sobre o que a criança não sabe acabamos nos esquecendo do que ela sabe. Ao revelarmos apenas o não-saber do nosso aluno, deixamos de conhecer os conhecimentos presentes nas respostas erradas que elas nos dão. A criança pode não saber escrever, mas ela pode saber que letras são diferentes de números e, ainda mais, que escrevemos com letras e não com números. Existe uma relação dinâmica entre o saber e o não-saber implícita nos exercícios escolares que desenvolvemos com os nossos alunos que nos fornece informações relevantes para o processo de ensino e aprendizagem. Ou seja, é possível indagar o as crianças que erram mais demonstram saber (...) e o que as que acertam mais revelam não-saber (ESTEBAN, 2001, p. 145).
Até aqui falamos de ações que dizem respeito especificamente ao trabalho pedagógico do professor, no entanto, outras pessoas podem ajudar-nos nesse processo de identificação dos saberes e não-saberes dos nossos alunos.
As outras pessoas que atuam na escola como: a merendeira, o porteiro, a responsável pela limpeza, a secretária, etc; por exemplo, podem estar nos ajudando a coletar informações sobre as crianças: como se comportam no recreio ou durante uma saída para o banheiro, por exemplo, podem fornecer-nos dados enriquecedores. Também o diretor e o coordenador pedagógico são pessoas importantes não só para nos ajudar na coleta desses dados, mas principalmente para nos ajudar a pensar possibilidades de ação junto às crianças que apresentam dificuldades, bem como junto à nossa sala de aula.
A família constitui-se num outro pilar fundamental que nos ajuda nos modos de olhar para nossos alunos. Saber como a criança se porta em casa, quais são as suas condições sociais, econômicas, culturais e financeiras pode nos ajudar a olhar para ela por um outro prisma. Como exigir da criança hábito e fluência na leitura se na sua casa não há livros ou jornais, ou revistas e os pais são semi-analfabetos ou alfabetos funcionais?
Aproximarmo-nos dessas pessoas (demais funcionários da escola e da família) permite-nos começar a ver coisas que antes não víamos, permitindo captar indícios que nos ajudem a olhar mais detalhadamente cada aluno.
São nessas práticas que podemos perceber o quanto o nosso sistema de ensino se isenta da investigação das causas do fracasso escolar e por conseqüência dos problemas ou distúrbios de aprendizagem. Como se passássemos (sempre) para frente os problemas sem nem tocar neles. Afinal, a escola nunca esteve preparada para quem é diferente dela. A escola preparou-se para ensinar a quem aprende igual (PADILHA, 2004, p.119).
2. Quando o encaminhamento do aluno torna-se inevitável...
Há casos, no entanto, cujo encaminhamento para profissionais especializados torna-se inevitável, principalmente porque todas as nossas possibilidades de atuação pedagógica (exatamente todas) foram esgotadas. Essas atuações, portanto, não devem se referir somente a mudar de carteira; mudar de professor ou de sala ou mudar de turno ou de turma, mas contemplar o desenvolvimento de um o trabalho pedagógico diversificado com a criança, no qual seja possível visualiza-la em seu todo (cognitivo/afetivo), checando a existência de um problema visão ou audição, ainda não percebido. Ainda assim, é muito importante que essa seja uma decisão conjunta entre nós – professores – a direção e a coordenação pedagógica da escola.
Mas, como encaminhar essas crianças?
Primeiramente, é preciso que elaboremos um relatório, que deve ser muito bem redigido, isso significa que nossa escrita deve ter a clareza, a coerência e a coesão necessária ao bom entendimento do nosso interlocutor. Não devemos nos esquecer que escrevemos para o OUTRO e não para nós mesmos.
Esse relatório deve conter, minimamente, e com o máximo de detalhes:
a) o que a criança sabe e não-sabe;
b) como a criança se comporta e em que momentos ela se comporta assim;
c) se a criança caminhava bem no processo de aprendizagem, em que momento essa situação se reverteu ou em que momentos ela se reverte;
d) o que nos chama a atenção na criança.
Jan Hunt (2005) destaca que as
classificações são incapacitantes, porque as crianças acreditam no que lhes dizemos. Se tivermos que classificar algo, que seja o ambiente de ensino e não o aluno: em vez de "criança hiperativa", vamos nos preocupar com as escolas "restritivas de atividade"; em vez de alunos com "falta de atenção", deveríamos pensar nas aulas com "falta de inspiração"; em vez de "criança com fobia escolar" deveríamos usar palavras mais honestas como "ansiosa" e "amedrontada", e tomar mais cuidado ao pesquisar o motivo da ansiedade. (grifos da autora)
Preferencialmente, esse relatório deve ser encaminhado para uma equipe multidisciplinar, principalmente porque não somos apenas cabeça-corpo-mente, somos também: sentimentos, emoções, auto-estima, autonomia, possibilidades, pensamento, ação, querer, decisão...
Algumas considerações
Sinto que, em muitos casos, nós professores nos sentimos incapazes e com certo sentimento de inferioridade diante de outros profissionais, principalmente aos quais devemos encaminhar nossos alunos que não aprendem. Por exemplo, olhamos um psicólogo como um Psicólogo, mas não nos enxergamos como Professores e, assim, não conseguimos desencadear um diálogo em um mesmo nível. Não podemos esquecer que quem entende do pedagógico, do trabalho efetivo de sala de aula, somos nós: Professores.
Mas, a integração entre os profissionais da Educação com os da Saúde, com vistas à melhoria da qualidade de vida do indivíduo e da educação oferecida nas escolas públicas é primordial para que minimizemos os problemas (ou dificuldades) existentes em sala de aula e consigamos formar cidadãos críticos, participativos e saudáveis. Isso significa que tão importante quanto o Psicólogo ou o Psicopedagogo é o Professor.
Sendo assim, somente quando a relação de reciprocidade e respeito acontecer entre os profissionais, em vista da criança que necessita dos conhecimentos de ambos, é que conseguiremos olhar para o aluno como a gente nunca olhou antes.
É por conta disso que Hunt (2005) nos alerta ainda que um ambiente estressante, punitivo e ameaçador é mais do que suficiente para explicar os problemas de aprendizagem, enquanto Padilha (2004) lembra que ensinar não é ato de violência, mas ato de força. Força para superar o saber espontâneo (p. 125). Ou seja, não é diferenciando, excluindo, obrigando e brigando que iremos conseguir ensinar – porque ensinar inexiste sem aprender, alerta-nos Paulo Freire (1992) – e, isso inclui obrigarmos crianças sem problemas às salas especiais, às instituições especiais, às triagens e sessões para encaminhamento... e tantas outras coisas, que nos faz muitas vezes nos esquecer do trabalho pedagógico em si.
Na busca de uma educação que se volte para a formação de um indivíduo numa sociedade mais justa e igualitária, é preciso que procuremos uma teoria simples que explique os fatos e não uma complicada e obscura que não nos permita ver a criança em seu todo. Não precisamos nos confundir com termos técnicos, teorias sem comprovação científica e bodes expiatórios para preservar uma instituição social que falhou com nossos filhos (Hunt, 2005), é preciso acreditar nas possibilidades das crianças e não nas suas impossibilidades, simplesmente porque: Toda criança é uma criança bem-dotada (Jan Hunt).
Bibliografia:
ESTEBAN, Maria Teresa. O que sabe quem erra? Reflexões sobre avaliação e fracasso escolar. Rio de Janeiro: DP&A, 2001
FERNÁNDEZ, Alicia. A mulher escondida na professora: uma leitura psicopedagógica do ser mulher, da corporeidade e da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1992.
HUNT, Jan. "DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM": uma rosa com outro nome. (s/d) Texto obtido no site: http://members.tripod.com/~Helenab/jan_hunt/distapr.htm Acesso em 15/01/06.
PADILHA, Anna Maria Lunardi. Possibilidades de histórias ao contrário ou como desencaminhar o aluno da classe especial. São Paulo: Plexus, 2004.
POLITY, Elizabeth. Dificuldade de ensinagem: que história é essa?. Texto publicado em 26/09/2002 no site www.psicopedagogia.com.br/artigos/artigo.asp . Acesso em 15/01/06.
Publicado em 15/02/2008 10:35:00

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