domingo, 3 de abril de 2011

Uma reflexão sobre a formação de professores

José Eduardo Baroneza* e Shirlei Octacílio da Silva Para atuar no ensino superior não é exigido o curso de licenciatura, muitos profissionais recém-formados ingressam neste mercado de trabalho sem ter contato, no decorrer da graduação, com disciplinas que enfoquem teorias psicopedagógicas. O resultado é que, atualmente, há professores de ensino superior capacitados para atuarem nas suas áreas específicas, mas despreparados para exercer a atividade docente de forma crítica, o que pode ser observado pelo excesso de aulas expositivas tradicionais, baseadas quase que exclusivamente na transmissão de conhecimento, em detrimento de aulas em que se valorize o desenvolvimento do aluno com o objetivo de torná-lo um sujeito crítico e transformador da sociedade e não meramente um especialista em reproduzir idéias pré-concebidas. Entre os alunos que não estavam satisfeitos, os problemas apontados foram: professores mal qualificados, professores sem experiência, muita teoria e pouca prática, falta de interesse da faculdade e de alguns professores, falta de didática, péssimo aprendizado em algumas disciplinas, entre outras coisas. O documento-síntese do Seminário Internacional Universidade XXI – Novos Caminhos para a Educação Superior – (Brasil, 2003; p. 3) registra que “A característica fundamental da atual crise do ensino superior é a sua incapacidade de enfrentar os desafios e dar respostas adequadas às necessidades sociais de um mundo globalizado que não é solidário na produção, distribuição e utilização democrática do conhecimento”. Entendemos que tal crise deve ser enfrentada com um ensino que prime, sobretudo, pela qualidade, o que passa pela formação de professores capazes de atuar de modo consciente e transformador, tanto nas instituições já estabelecidas como nas que há por vir. Até meados do século XX, de acordo com Lopes (1996), o professor era considerado o detentor do saber e deveria dominar os conteúdos fundamentais a serem transmitidos para os alunos. Neste contexto, a aula expositiva era reconhecida como a técnica mais adequada à transmissão de conhecimento na sala de aula, de modo que a aprendizagem consistia exclusivamente em memorizar os novos conhecimentos que os professores transmitiam em aulas expositivas ou que os alunos liam nos livros texto, e o progresso dos alunos era medido pela sua habilidade em recitar aquilo que tinham lido ou ouvido. A partir da metade do século XX, em meio a críticas severas à pedagogia tradicional, constituiu-se a denominada “pedagogia nova”, em que o aluno, e não mais o professor, passou a ser o centro do processo de ensino-aprendizagem, que se daria mediante a reconstrução das experiências, e, por meio dessa reconstrução, caminhar-se-ia para a transformação social, conforme postula Teixeira (1978). No entanto, ainda hoje podemos encontrar a opção por aulas expositivas com características predominantemente tradicionais em todos os níveis de ensino, inclusive no superior. Assim sendo, visto a atual conjuntura da educação superior no Brasil, e apoiados no Artigo 43, da Lei 9394, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996) a qual ressalta que “A educação superior tem por finalidade estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo” acreditamos, assim, ser necessária a introdução de conteúdos das áreas de Psicologia da Educação e Metodologia do Ensino na formação de todos aqueles que podem vir a se tornar professores do ensino superior, licenciados ou não. Fundamentos teóricos e discussão. Primeiramente gostaríamos de enfatizar a diferença semântica que existe entre os vocábulos ensino e educação. Segundo Ferreira (1999), ensino refere-se à transmissão de conhecimentos, informações ou esclarecimentos úteis ou indispensáveis à educação; educação, por sua vez é o processo pelo qual o ser humano se manifesta em suas múltiplas possibilidades, inclusive a de elaborar, metabolizar, assimilar e transmitir conhecimentos na escola e na sociedade, construindo a cultura e a transcendência. Assim sendo, faz-se necessário atentar à amplitude que o tema educação representa a formação de futuros profissionais. A transferência de conhecimento não pode ser de maneira nenhuma, confundida com o verdadeiro sentido de educar. Portanto, neste trabalho, evitaremos falar em processo de ensino-aprendizagem, a não ser em citações. Acreditamos que o mais conveniente para as idéias que defendemos é a utilização do termo educação-formação. Cowan (2002) considera que o processo de educação, em qualquer nível de ensino, depende da criação proposital de situações nas quais aprendizes motivados não devem conseguir escapar sem aprender ou desenvolver-se. O mesmo autor postula que a aprendizagem só ocorre quando a estudante pensa ativamente sobre as novas idéias expostas pelo professor e tenta utilizá-las, apoiando-se em suas experiências e conhecimentos anteriores. No mesmo sentido, Adrian (2004) registra que educação é toda influência exercida por um indivíduo sobre outro, no sentido de despertar um processo de evolução. Logo, educar é muito mais que apenas transmitir informação, assim como aprender é mais que apenas absorver o que foi ensinado. De acordo com a visão de Moretto (2003), um professor completo é aquele que é também educador, que sente prazer em provocar aprendizagem e, para tanto, ele deve ser capaz de se ajustar a uma larga variedade de estudantes, oriundos de realidades sociais, econômicas e culturais diferentes. Segundo a visão de Marques (1999), cada nível e modalidade de ensino requerem certas condições para os seus professores, com base nas quais é possível prognosticar sucesso no magistério. O exercício da docência deve ser diferenciado em cada modalidade de ensino – Infantil, Fundamental, Médio e Superior. Em se tratando de ensino superior, Vasconcelos (1996) afirma que o professor universitário deve ser um profissional que conheça profundamente o campo do saber que pretende ensinar, detentor de necessário senso crítico e conhecimento da realidade que o cerca, para fazer uma análise criteriosa do conteúdo a ser transmitido e suficientemente preparado para, com base neste mesmo conhecimento e amparado na complementaridade da perícia de seus pares, ser capaz de produzir um novo conhecimento, inovando e criando. No entanto, como pressupomos a especialidade no campo onde se almeja ensinar é fundamental na educação superior, mas não suficiente. Além de especialização e competência na área, é imprescindível que o docente, mediador no processo educação formação, conheça e aplique, em sala de aula, conceitos da Psicologia da Educação e da Metodologia do Ensino (Anastasiou, 1998), bem como atue de forma crítica, voltada para o desenvolvimento do aluno, na elaboração das atividades intrínsecas ao currículo da instituição. Quanto às qualidades ou condições para o exercício do Magistério Superior, Larroyo (1974) estabelece que estas se consubstanciam em duas direções: a vocação pedagógica e as condições profissionais. Vários pensadores contribuíram de maneira significativa para a atual compreensão de como o processo de educação-formação pode ser consolidado, dentre eles, podemos citar Jean Piaget, biólogo e filósofo suíço, que viveu de 1896 a 1980. Segundo o autor, a inteligência é uma forma de adaptação humana, que admite paralelismo entre processos intelectuais e biológicos, realizada por meio da criação contínua de estruturas mentais cada vez mais complexas e em progressivo equilíbrio com o meio (Piaget, 1982). Piaget distingue etapas sucessivas no desenvolvimento da inteligência e tenta explicar como as estruturas mentais evoluem ao longo da vida para proporcionar o aprendizado significativo. Embora seus estudos tenham iniciado a partir da observação de crianças, em sua teoria, a qual denominou Epistemologia Genética, Piaget faz considerações importantes a respeito do processo de educação-formação, desde crianças até adultos. O pensador não acredita que todo o conhecimento seja inerente ao próprio sujeito, nega o fato de o conhecimento provir totalmente das observações do meio que o cerca. Para ele, em qualquer nível, o conhecimento é gerado por meio da interação do sujeito com seu ambiente, de modo que a aquisição de conhecimentos depende tanto de estruturas cognitivas inerentes ao próprio sujeito, como de sua relação com o objeto de aprendizagem (Piaget, 1982). De outro ponto de vista, Burrhus Frederic Skinner, psicólogo nascido nos Estados Unidos, que viveu de 1904 a 1990, não se interessa pelas estruturas mentais, e tenta explicar o comportamento e a aprendizagem como conseqüência dos estímulos ambientais. Sua teoria fundamenta-se no poderoso papel da recompensa ou reforço e parte da premissa fundamental que toda ação que produz satisfação tenderá a ser repetida e aprendida (Reynolds, 1968). Skinner é um crítico do controle aversivo, ou seja, do uso de estratégias punitivas, por parte dos professores na intenção de obrigar os alunos a estudar (Skinner, 1967). Dentre tais estratégias, o autor combate a repreensão, o sarcasmo, a retirada de privilégios e os exames avaliatórios, utilizados por professores adeptos às aulas expositivas tradicionais, pois sob tais penas, o estudante passa grande parte do seu dia fazendo coisas que não deseja fazer e para as quais não há reforços positivos. Segundo o autor, estudantes devem ser encorajados a explorar, a fazer perguntas, a trabalhar e a estudar, independentemente para serem criativos e se desenvolver em suas plenitudes. Neste sentido, ao invés de assumir um caráter punitivo e sofrer o risco de formar um cidadão temeroso em suas ações, repetidor de verdades prontas, acredita-se que os professores de ensino superior deveriam se esforçar na tentativa de encontrar formas menos punitivas possíveis de promover o ensino, de forma que os alunos tenham prazer em aprender e, desta forma, tornem-se profissionais competentes, envolvidos com as transformações sociais e tecnológicas necessárias ao desenvolvimento do mundo contemporâneo. Um terceiro pensador bastante importante por suas teorias sobre o processo de educação-formação é o russo Lev Semyonovich Vygotsky (1896-1934), que tem sido considerado, ao longo dos últimos anos, um psicólogo do desenvolvimento subsidia teóricos fundamentais às questões educacionais, pois, segundo considera Isaia (1998, p. 23), “sua teoria envolve a supremacia do componente sóciocultural sobre o biológico-natural, pois as fontes do desenvolvimento psicológico não se encontram no indivíduo, mas principalmente no sistema de comunicação e de relações sociais que ele estabelece com outras pessoas”. A proposta de Vygotsky (1984) parte de uma construção social do conhecimento enfatizando, os aspectos interacionais, a necessidade de professores como mediadores e a promoção do desenvolvimento via aprendizagem. Ainda no dizer do mesmo autor, o cérebro humano é a base biológica por meio da qual se assenta o desenvolvimento, mas as funções psicológicas superiores são construídas ao longo da história social do homem e dependem mais da relação do homem com o mundo que do estágio de maturação do cérebro. Rabello e Passos (2007) referem que, para Vygotsky, não é suficiente ter todo o aparato biológico da espécie para realizar uma tarefa, se o indivíduo não participa de ambientes e práticas específicas que propiciem esta aprendizagem. Vygotsky (1984) registra que o processo educativo tem por função própria transmitir o conhecimento acumulado pelas gerações anteriores, além das formas de ação, no mundo, próprias da cultura. Desta forma, o autor focaliza a educação no aluno e não no professor, e, de acordo com sua teoria, o papel do professor deve ser de mediador da aprendizagem, proporcionando momentos de interação que possibilitem aos alunos a compreensão e a resolução dos problemas inerentes a cada área de ensino. De acordo com Bordenave e Pereira (1998), as análises de Piaget, Skinner e Vygotsky, embora partam de princípios epistemológicos distintos, formam a base da discussão sobre a origem do conhecimento e, conseqüentemente, sobre o papel do professor no desenvolvimento crítico do aluno. Conforme relata Moretto (2003), constantemente se pode ouvir em instituições de ensino reclamações de professores em relação a atitudes de alunos, em particular, e de turmas, no coletivo. De maneira geral, as reclamações quase sempre giram em torno dos seguintes contextos: falta de base dos alunos para acompanhar o conteúdo específico de sua disciplina, falta de vontade da turma em aprender o que está sendo exposto, de que os alunos não estudam etc. No entanto, ao fazer estas críticas, tais professores se protegem da autoanálise que os leve a refletir, com a devida amplitude, sobre o que está atrapalhando o desempenho dos alunos. Marques (1999) postula que a técnica da aula expositiva, para surtir efeitos desejados, exige do grupo de ouvintes certas condições de maturidade e identidade com o problema apresentado ou com o expositor, cuja empatia dependerá, em muito, do interesse do grupo. Uma aula expositiva, que não envolva o aluno de modo que ele interprete o conhecimento e verbalize a compreensão, tem várias desvantagens como, por exemplo: permitir a prática do dogmatismo e do verbalismo, improdutivos em termos educacionais e da aprendizagem; estimular a passividade do aluno ou ouvinte; não permitir controlar, por muito tempo e de forma eficaz, a atenção do aluno; estimular a prática do formalismo; não estimular a interação entre orador/expositor/professor e o aluno pela desconsideração do conhecimento prévio deste em relação ao tema que será tratado em aula. No entanto, de acordo com Moretto (2003), o aluno tem uma vivência que lhe permite construir uma estrutura cognitiva formada por idéias e concepções prévias, ligadas ao senso comum de seu meio social e às representações que ele mesmo constrói em função de suas próprias experiências, estando estas ligadas ao contexto do sujeito e, sobretudo, à linguagem utilizada em seu grupo social. Ainda, segundo Moretto (2003), a escola, por seu lado, tem como função propor um outro conjunto de saberes, um “saber oficial”, que pode ser chamado de “concepções escolares”. Este saber é selecionado, pela escola, a partir do conjunto dos saberes construídos socialmente. Teoricamente, os critérios para esta seleção é a relevância dos conteúdos para aquele contexto, o grau de complexidade em sua elaboração e a possibilidade de se construir pontos de ancoragem para novas aprendizagens. Na relação entre aluno e professor, observa-se, com freqüência, em particular nas aulas expositivas, uma dicotomia entre as concepções prévias e as escolares. Como as primeiras são frutos do contexto, elas são consideradas para o professor que adota a aula expositiva-padrão como representações sem importância ou mesmo erradas. Neste caso, julga-se que a função do professor é transmitir ao aluno o que é certo para que ele abandone suas idéias prévias e passe a adotar as concepções oficiais. E para ter certeza que isso ocorrerá, a escola faz provas com o objetivo de verificar se o saber oficial foi absorvido e está sendo repetido com perfeição. Moretto (2003) considera que esta postura deixa de o aluno como ponto de partida do processo de construção do conhecimento, isto é, o que ele já sabe quando algo novo lhe é ensinado, uma vez que o aluno costuma justapor concepções prévias às concepções escolares, usando uma ou outra, conforme a conveniência, sem ressignificá-las. Para corrigir tais erros, o processo de apropriação do conhecimento proposto na perspectiva construtivista sócio-interacionista indica um caminho alternativo para uma nova relação de ensino que leve à aprendizagem significativa e venha fortalecer os alicerces do ensino superior naquilo que o caracteriza. A universidade, de acordo com a formação de professores do ensino superior é um espaço de produção de conhecimento, de resoluções de problemas tecnológicos e de criação de um espírito crítico que permita ao estudante reconstruir os seus percursos de formação na base de valores concretos”. No mesmo sentido, para Habermans (1993, p. 60-61), a função da universidade está ligada “não apenas com o desenvolvimento técnico e a preparação para profissões acadêmicas, mas também com a educação em geral, a tradição cultural e o esclarecimento crítico”. Assim sendo, muitas vezes se faz necessário rediscutir e reavaliar o processo do ensino superior para que este assuma seu papel transformador e de mobilizador social. Entendemos que tal feito pode ser atingido por meio da construção de ambientes de aprendizagem ricos, onde o docente valorize as interações com os alunos. Indivíduos não aprendem apenas explorando o ambiente, mas também dialogando, recebendo instruções, vendo o que os outros fazem e ouvindo o que dizem. No construtivismo sócio-interacionista, o professor deve dominar três núcleos de conhecimento: as características psicossociais e cognitivas do aluno, os conteúdos relevantes da área do saber e o papel de mediador da aprendizagem (Macedo, 1994). Nesse aspecto, de acordo Macedo (1994) e com Moretto (2003), Assim, o professor precisa identificar, analisar e compreender as características de desenvolvimento psicológico e social de seus alunos para que seu ensino seja eficiente. Além disso, conhecendo o contexto dos alunos, o professor poderá usar linguagem adequada e contextualizada. O professor também precisa conhecer as competências associadas ao papel do mediador do processo de aprendizagem. É preciso que o professor conheça as tecnologias disponíveis para apoio pedagógico e as melhores técnicas de intervenção pedagógica, de modo a criar melhores condições para que o aluno aprenda. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANASTASIOU, L.G.C. Metodologia do ensino superior. Curitiba: IBPEX Autores Associados, 1998. LARROYO, F. História geral da pedagogia. São Paulo: Mestre Jou, 1974. MACEDO, L. Ensaios construtivistas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994. (Coleção Psicologia e Educação). . PIAGET, J. O nascimento da inteligência na criança. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. TEIXEIRA, A. A pedagogia de Dewey. In: DEWEY, J. (Ed.). Vida e educação. São Paulo: Melhoramentos, 1978. p. 14-41. VASCONCELOS, M.L.M.C. A formação do professor de terceiro grau. São Paulo: Pioneira, 1996. VYGOTSKY, L. A formação social da mente. São Paulo:

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